domingo, 13 de dezembro de 2009

A UNIVERSIDADE DO SÉCULO XXI (RESENHA)

SANTOS, Boaventura de Sousa. A universidade no século XXI – para uma reforma democrática e emancipatória da Universidade. São Paulo: Cortez, 2005.

Sociólogo e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. Diretor do Centro de Estudos Sociais.

Resenhistas: Fábio Lima, Fernando Ponçadilha, Sabrina Duarte.

Em A Universidade no século XXI, Boaventura Santos traz à tona a discussão sobre o processo de democratização do ensino superior frente à emancipação da universidade contemporânea, procurando responder – de forma clara e objetiva – três perguntas-base que norteiam o debate que sua obra suscita, sendo elas: O que aconteceu nestes últimos dez anos? Como caracterizar a situação em que nos encontramos? Quais as respostas possíveis aos problemas que a universidade enfrenta nos nossos dias? Dividido em duas partes, o autor destina à primeira a análise das transformações ocorridas no ensino superior e suas influências no desempenho das universidades públicas; e à segunda, a apresentação de princípios básicos que possibilitem à universidade pública atender de forma criativa e eficiente as demandas do século XXI.

Na primeira parte de sua obra, Boaventura assevera que a culpa – se é que realmente existem culpados concretos – da perda da prioridade da universidade pública nas políticas públicas do Estado foi ocasionada pelo modelo neoliberal de economia que, ao invés de induzir ao investimento de políticas que sanassem as debilidades institucionais identificadas, realizou ações avessas a esse propósito ao tempo que tomaram por base essas debilidades como justificativas de uma abertura generalizada do bem público universitário à exploração comercial, criando assim, uma era de mercadorização universitária apoiada pelo Banco Mundial e a Organização Mundial do Comércio, transformando os estudantes de cidadãos em consumidores através da eliminação da gratuidade do ensino universitário e a substituição de bolsas de estudo por empréstimos.

O autor comenta que a liberdade acadêmica configura como um obstáculo à tentativa de “empresalizar” a universidade e critica a opinião do Banco Central em relação ao inexorável declínio do poder docente nas salas de aula frente à generalização do uso de tecnologias que promovam o ensino de forma on line. Sob a égide do GATS (Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços), a transnacionalização neoliberal da universidade ocorre sob quatro grandes modos de oferta de serviços universitários mercantis. O processo de desenvolvimento intelectual pluriuniversitário – aquele que visa a contextualização e o confronto com outros tipos de conhecimento – é tido por Boaventura como uma das resoluções apontadas para o processo de reforma.

Na segunda parte de sua obra, o autor apresenta algumas ideias-base pra que se atinja a reforma universitária de forma mais plena e eficaz, listando determinados pontos imprescindíveis para o processo, como o combate às transformações recorrentes na última década com estratégias inovadoras e não com modelos arcaicos que já não representavam à época eficiência. A definição concreta do papel da universidade é uma das características cruciais para a proteção da mesma em relação à concorrência predatória e concomitantemente a vitimização da sociedade por práticas de consumo fraudulentas. Na continuação de seu texto, Santos ainda perpassa por noções de acesso ao ensino público de ensino, situações comparativas entre países como Estados Unidos, África do Sul e Brasil – e algumas de suas regiões – e um pequeno cenário sobre a situação da universidade privada. Por meio de desses e outros subtemas propostos e deslindados, fica claro que o primordial é, sempre, “enfrentar o novo com o novo”.

E, por fim, é certo que o debate em torno do perfil excessivamente elitista da academia vem desde os tempos mais remotos cristalizado na afirmação grega do saber cognitivo em oposição ao saber tácito apoiado na técnica e na experiência sensível.Esse perfil é levado às últimas conseqüências pela mentalidade medieval quando do surgimento das universidades, aliás, o próprio autor destaca que a produção de alta cultura, necessária à formação das elites, era uma das funções tradicionais das universidades.Acontece que isso não foi suficiente para responder às demandas dos seres humanos a partir da chamada revolução industrial. E o que aconteceu foi que a própria universidade teve que investir em conhecimentos instrumentais, úteis na formação de mão de obra qualificada exigida pelo modelo capitalista de desenvolvimento.

O balanço do que aconteceu nos últimos dez anos com o ensino universitário no Brasil, sobretudo o impacto ocorrido nas universidades públicas, segundo a avaliação do autor, uma clara opção pela mercadorização da universidade, é uma constatação oportuna, mas ao mesmo tempo previsível, na medida em que a partir do final da década de 80 e até meados da década de 90, isso coincide com as reformas da educação superior do governo FHC, e com o curso da globalização neoliberal, até porque essa era a nova ordem do sistema capitalista visando atingir todas as esferas da existência no planeta. Não era previsível a crise desse sistema de mercado em tão curto espaço de tempo.

Em suas respostas, sobretudo na parte que se destina ao QUE FAZER, parece o título do opúsculo de Lênin, apontando rumos à revolução Bolchevick, é feliz Boaventura De Sousa Santos, quando na proposição de idéias-mestras que devam nortear uma reforma criativa, democrática e emancipatória da universidade pública (p.54), constata ser a causa da crise universitária multifacetária e algumas virem de longa data, mas que hoje estão configuradas pela globalização neoliberal. É certo também propor um modo de emancipação contra-hegemônico enquanto alternativa à globalização neoliberal que contemple sobretudo a necessidade de por fim inclusive à histórica exclusão de grupos sociais e seus saberes de que a universidade tem sido vilã ao longo do tempo e, portanto, desde muito antes dessa atual fase da globalização capitalista.

Isso interligado a uma solução que implique interpenetração plena das escalas nacional e global dos conhecimentos. Apoiado, sobretudo, nos novos processos de obtenção e produção de conhecimentos como as redes nacionais e internacionais por onde circulam novas pedagogias, novos processos de divisão dos saberes e compromissos sociais, assentes nas novas tecnologias de informação e comunicação.

De fato o autor afirma que o novo pacto universitário parte assim da premissa que a universidade tem o papel crucial na construção do lugar nacional num mundo polarizado entre globalizações contraditórias. Entretanto, Santos (2005), ressalta que para isso o pacto precisa ser sustentado por forças sociais disponíveis e interessadas em protagonizá-lo. E, por conseguinte, identifica três tipos distintos de protagonistas: 1º A própria universidade pública, ou seja, quem nela está interessado numa globalização alternativa; 2º O Estado Nacional sempre e quando ele optar politicamente pela globalização solidária da universidade; 3º Os cidadãos individual ou coletivamente organizados por grupos sociais, sindicatos, movimentos sociais, redes, governos locais progressistas, interessados em fomentar articulações cooperativas entre a universidade e o interesse público que representam.

E para concluir, entre os princípios orientadores dessa nova prática, destacamos o primeiro: ”Enfrentar o novo com o novo”. Não podemos enfrentar o novo com saudosismos porque as mudanças são irreversíveis. Paulo Freire nos diz que “não devemos aceitar o novo por ser novo e rejeitar o velho por ser velho. Devemos sim, aceitá-los ou rejeitá-los se forem válidos ou não”- Educação e Mudança-1983. O que existiu antes, segundo Santos, foi também imperfeito na forma de produzir o saber e o benefício dele porque pra poucos. A nova resistência tem que envolver a promoção alternativa de pesquisa, de formação, de extensão e de organização que apontem para a inclusão do bem público universitário, ou seja, para a contribuição específica da universidade na definição e respostas coletivas às assimetrias sociais, nacionais e globais.

Entendendo que o caminho das mudanças não só é inevitável e que mesmo a despeito de toda imperfeição, as reformas protagonizadas acabaram respondendo à demanda reprimida de inclusão acadêmica de grande parte da juventude nacional, carente de formação superior qualificante, além de trazer novas tecnologias na apreensão do conhecimento. O que nos leva a constatar que a forma pode não ter sido adequada , mas o mérito permanece correto.

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